domingo, 10 de fevereiro de 2013

UM CRUZEIRO A 20 METROS DO CAIS

Olá amigos, 

Quando se fala em velejar, qual prazer te satisfaz? Muito provavelmente a maioria de nós vai imaginar um sonho normalmente distante, ou quase inatingível para muitos velejadores - algo como um cruzeiro em alguma ilha paradisíaca, uma volta ao mundo etc.

Às vezes, não nos tocamos que, guardadas as devidas proporções, estar a bordo aqui, ali, ou lá, é praticamente a mesma coisa. O barco é o mesmo, os equipamentos idem... Em alguns casos, estar a bordo perto de casa pode até ter suas vantagens.

Numa manhã ensolarada de um dia desses, estava sentado na beira do cais do meu clube, observando alguns veleiros serenamente adormecidos em suas poitas, quando, de um deles - o Araken, sai o Elmo e dá uma baita espreguiçada. Ele pegou o botinho e veio ao meu encontro, me dar bom dia:

- Elmo, o que você tá fazendo aí a essa hora? - perguntei.
- Ué? Dormindo a bordo. - ele retrucou...

Lembrei que o Elmo e sua esposa costumam passar o final de semana a bordo com uma certa frequência ali mesmo, na poita, em frente ao clube. Normalmente eles saem para uma velejada pelas redondezas, mas sempre retornam à poita. Lembrei, também, que eu mesmo já havia feito algumas poucas vezes, esse "passeio". No meu caso, quase sempre pernoitava na minha poita quando desejava sair muito cedo no dia seguinte para algum lugar. Mas esse não era o objetivo do Elmo.

Bem, como achei uma sacada legal esse aproveitamento que ele e sua esposa dão ao barco, resolvi ouvir dele o que pensa sobre essa forma de curtir o barco. Segue abaixo o sempre bem humorado e perspicaz texto do nosso amigo cruzeirista:

"Velejar é uma das poucas artes que exige algumas doses de um pouco de tudo...

A maioria dos meus amigos velejadores gostam mesmo é de uma boa dose de adrenalina e uma sede medonha (é porque vez por outra todos de um barco e de outro gritam por água). É incrível ver os barcos se aproximarem (espera-se que joguem um pra o outro os embornais repletos do tal líquido), cascos quase se tocam e o grito de água aumenta, mas nada ocorre. Quer dizer: somente uma xingação, quase beirando ao xingamento, eclode no ar!

Às vezes tenho a plena certeza de que nenhum deles aprendeu os ensinamentos do RIPEAM. Certamente não manobrariam assim tão perto uns dos outros... Tenho certeza que, num veleiro, as idades diminuem. Parecem adolescentes... tanto no riso (entenda que é com "S", pois se fosse um "Z" a situação não estaria pra tantas risadas) quanto nos impropérios!!! 
Rio do verbo rir..

Velejar exige o riso como condição "sine qua non" da felicidade intrínseca do velejo, posto que o importante (a menos que esteja em regata) não é chegar, mas o processo, que poderá ou não também exigir um rizo... a menos que o tempo esteja pra virar, ou a tua mulher esteja a bordo e exija a horizontalidade da terra firme (que é vez por outra a exigência da minha).

Velejar também exige uma certa dose de arte e outro tanto de ciência, do contrário jamais chegaria a um porto qualquer... o abatimento, consequência  das correntes e ventos, te faria dar infinitas voltas no planetinha até que o julgasse enorme, mas sem nunca se aperceber que pequeno é você mesmo e seu barco nessa imensidão de água.

Velejar também exige um certa dose de proporção: a imensidão poderá significar apenas 10 metros de água entre você e o cais... É por isso que coloquei minha poita bem perto, pertinho do cais e isso tudo por causa do clube que disponibiliza um botinho bem pequeno pra embarque, com pouca borda livre e com uma afinidade medonha pra embarcar água quando o vento sopra, mesmo que moderado.

Cruzeiro tem dessas proporções: não importa se a viagem entre a cidade e o paraíso leve 12 horas (o paraíso mais perto é Ilha Grande) no meio do nada, na visão do horizonte e a terra mais próxima, mas se você estiver na cidade, o barco não pode ficar mais do que um passo do madeirame cracorento do cais, culpa do botinho de fibra!

No sofrimento do botinho, vez por outra atraco meu barco atravessado no cais. Antes consulto a tábua das marés pra saber se não vou encalhar, e saber se poderemos tomar um banho farto na madrugada. Esta vida de cruzeirista de cidade tem dessas coisas e desenvolvi esta técnica pra convencer minha Imediata que tem verdadeiro horror ao botinho de fibra em noite de "algum" vento.... coisas de cruzeirista de cidade!!! Rio de novo, mas não rizo, porque o tal vento não é lá nada de força 3...

É assim que se forma um cruzeirista! Comece por um acampamento no quintal, monte a barraca, mas tenha um chuveiro quente com secador de cabelo à disposição; depois ponha a barraca no fundo do quintal, quase rente ao muro, longe, muito longe de casa a ponto de exigir uma lanterna no caminho do banheiro (é importante que a casa esteja de luz apagada); depois vá pro barco e use minha poita (é pertinho do cais), mas se esqueça da lanterna.... é assim que se forma umA cruzeirista: alguma distância e uma lanterna, mas nunca use o botinho de fibra....

Cruzeirar exige alguns conhecimentos, um certo feeling sobre a mulher amada, um conhecimento de Capitão e a decisão da Imediata!!!"

De fato, o Elmo costuma aproveitar bastante o barco dele, sem necessariamente ter que preparar o barco com provisões, água, combustível etc. Ainda que um estilo um tanto diferente dos anseios da maioria dos velejadores, esse estilo do Elmo é bastante divertido e o deixa tão ou mais em contato com o barco e com o mar que a maioria dos demais velejadores.

É isso.

Até a próxima!!!







4 comentários:

  1. Lauro,

    gostei demais do texto. Tem conteúdo e nos mostra que não precisa cruzar o Atlântico prá ser feliz. Até porque não se faz uma travessia dessas todos os dias, mas ficar no barco, ou sair prá uma velejada pela baía, pode ser tão prazeiroso quanto.

    abraço e Bons Ventos

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    1. Obrigado pelo comentário, Cmte.

      Na minha opinião, realmente, o importante é estar a bordo.

      Bons Ventos

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  2. Que texto delicioso, parabéns ao escritor que aproveita e brinca maravilhosamente bem com as palavras e os tempos e as conjugações, realmente uma delícia! Quanto a ficar no barco amarrado na poita, faço isso de vez em quando, o simples fato de estar no barco já é um prazer!

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    1. Uma das lembranças mais gostosas que tenho, Walnei e amigos, foi de um almoço a bordo, seguido de uma agradável tarde de bate papo com amigos, sentados à mesa. Fazia um frio cortante lá fora e caía uma garoa fina. Dentro da cabine, estava bem aconchegante. Tudo isso com o barco amarrado no cais.

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